década de 70

O Estado de São Paulo

> São Paulo, 15/10/1970

Hoje, o retrato volta a ser um assunto de artistas plásticos. Com a diferença que os contornos exteriores não interessam mais, pelo menos para Aldir Mendes de Souza, 29 anos, criador da radiogravura.

O Estado de S. Paulo, 15/10/1970

Revista O Cruzeiro

> São Paulo, 17 de novembro de 1970

O crítico Mário Schemberg está falando de uma nova forma de arte que surge em São Paulo, quando o cirurgião plástico Aldir Mendes de Souza combina pintura, desenho, gravura e retrato com um elemento novo: os Raios X. A radiografia entra na história da arte.

Revista O Cruzeiro, novembro de 1970. Capa.
Revista O Cruzeiro, novembro de 1970. Página introdução.
Revista O Cruzeiro, novembro de 1970.

Geraldo Ferraz

> São Paulo, 1970

Ao olhar experimentado, as propostas de Aldir, desde a primeira apresentação, já trazem essa justificação de uma boa imagem a concretizar-se.

Quem tenha acompanhado a linha de propostas de Aldir, pode nesta produção mais recente do artista identificar as etapas anteriores. Porque tivemos nele a decorrência sempre de um desenho. Esta intimidade entre propostas e desenho, entretanto, não se subordinou a uma predominância do desenho, e embora se possa admitir que sempre, o advérbio já está lá para trás em colocação canhestra, o desenho esteja na formulação primeira. Desenho, imagem formadora do centro de gravidade de uma decisão. Ao olhar experimentado, as propostas de Aldir, desde a primeira apresentação, já trazem essa justificação de uma boa imagem a concretizar-se.
Então, uma pintura, ainda nos casos dos objetos, que emana das interrelações do desenho-cor. Dimensionamentos de desenho, contenção colorística. Naturalmente o ensinamento de Aldir é válido tão só para usa eficiente seleção de elementos, desenho e colorido se completando, desdobrando-se, até os resultados de agora, que estão no limite destes dias de sua aventura. A visualização formadora da imagem capta reduzida a área vislumbrada, e em desenho e pintura coloca a solução “transitória”, a busca ardente não parece ter encontrado seus pontos de criastalização. Mas inegável é o que se pode verificar em conquista de si mesmo. Inexoravelmente marcada a nova etapa. O que verificareis nos trabalhos, em arte de nosso tempo limpamente realizada, limpa de mente e limpa de coração.

Publicada no jornal O Estado de São Paulo
Geraldo Ferraz

> São Paulo, 1970

Indiscutivelmente, a exposição de pinturas de Aldir Mendes de Souza … é uma exposição em que se pode verificar o final do desdobramento de uma temática. A temática do mapeamento rural, da terra cultivada, o que é raro em pintor da cidade, e que em Aldir foi uma procura e finalmente um achado, uma adequação.

Indiscutivelmente, a exposição de pinturas de Aldir Mendes de Souza, agora na Chelsea Jardim Galeria de Arte, Rua Augusta, 2857 – prolongamento da que funciona na esquina da Rua Luiz Coelho – é uma exposição em que se pode verificar o final do desdobramento de uma temática. A temática do mapeamento rural, da terra cultivada, o que é raro em pintor da cidade, e que em Aldir foi uma procura e finalmente um achado, uma adequação.
O pintor se torna de tal maneira um homem que enquadra na tela do cafezal, motivação que só por essa particularidade deveria colocá-lo dentro de uma preferência, de um interesse, de uma discussão. Acharam pouco, parece: o motivo não é então a grande dominante da economia brasileira em todo um período de nossa história?

Banalizou-se talvez? De maneira alguma. O que se banalizou foi o clichê da onda verde. Os cafezais de Aldir não se banalizam em onda verde sob várias luzes e sob várias visualizações, o artista os transpõe para as suas telas com uma emocionante coloração em vermelho, em azul, em amarelo, em ocres.
Destacaremos, então, nesta exposição, e isto apenas para mencionar alguns, os
Cafezais I, II e III, cada qual numa transposição do tema em grande formato, a exigirem o espaço das amplas paredes para exibirem a notabilíssima imagem pictórica da grande aventura que foi a cultura extensiva do café em terras paulistas.

Desdobrando a série, porém, mas adstrito ao vegetal, Aldir passou a outra série que denominou Potência Agrícola, em que dá ênfase ao vegetal, em quadros de menor formato que a maioria dos cafezais. E ainda aqui estas telas nos mostram a preocupação com a terra deste citadino, voltando para a planta, para a folha e para a flor, que nelas passaram por uma lente de aumento, até a abstração. Da série pode-se destacar os ns. 22, do primeiro com notas vermelhas bem iluminadas, porque na Galeria ainda não se cuidou muito de iluminação.

Finalmente, na numerosa exposição de pinturas, há a série da Transamazonica, que nos parece mais circunstancial, como tema. Está, porém, na linha do que Aldir procurou fazer o levantamento, dos mapeamentos do café às motivações da potencialidade agrícola. Se falta uma incisão mais violenta, que valha como incisão no tema, não bastando a folhagem e as ramas para isto, o tema pode ainda ser retomado e vitalizado com alguma notação direta.

Na exposição, contam-se os retratos radiográficos que para nossa apreciação não estão na linha da novidade nem podem despertar prurido vanguardeiro nenhum, sendo talvez tão “interessantes”, ou menos, que os termofotos coloridos publicados num “Time” de agosto último, na seção científica.

Publicada no jornal O Estado de São Paulo
Mário Schemberg

> São Paulo, 1971

Aldir Mendes de Souza e seus colegas mostram que a radiografia abre também novas possibilidades para a arte, permitindo combinar a imagem externa com a da estrutura interior.

Aldir Mendes de Souza tem se destacado pelo seu espírito de pesquisa em vários campos de arte. Agora nos apresenta o resultado dos trabalhos de radiografia artística de que participam eminentes radiologistas.

A radiografia é atualmente uma técnica de importância fundamental da indústria, na arqueologia, nos estudos físicos e cristalográficos, na biollogia molecular e na museologia, além das suas aplicações clínicas mais popularmente conhecidas. Na realidade é um método que permite a análise visual da estrutura interior dos corpos sólidos e líquidos.

Aldir Mendes de Souza e seus colegas mostram que a radiografia abre também novas possibilidades para a arte, permitindo combinar a imagem externa com a da estrutura interior. Para consegui-lo tiveram que superar a dificuldade da transparência dos elementos leves aos Raios X, para não perder a imagem externa. Fizeram-no com a idéia engenhosa, a de pintar a superfície das partes moles com substâncias rádio-opacas contendo bário. Assim elas também aparecem nas radiografias, que são expostas nos negatoscópios.

Aldir e seus colaboradores obtém assim uma forma de realismo, em que o fantástico surge de uma apresentação mais completa dos objetos, vistos por dentro e por fora ao mesmo tempo. Sem dúvida poderão desenvolver em numerosas direções essas pesquisas tão originais. Assim mais uma vez aparece a convergência dos métodos científicos e tecnológicos com a pesquisa artística de vanguarda.

Olívio Tavares de Araújo

> São Paulo, 1972

Mas a briga ainda não terminou, continua nesta semana, quando será inaugurado o polêmico Salão, e Aldir poderá testar, pelo menos, sua sorte.

Pelo menos durante alguns dias, na semana passada, o ambiente artístico paulistano vive uma experiência nova: a ameaça do terror. Assinado por uma organização que se intitulava (sob evidente inspiração dos extremistas palestinos) Outubro Cinzento, foram distribuídos panfletos mimeografados em galerias, museus, e outros locais escolhidos sem um critério muito claro. O objetivo anunciado: guerra à organização do VI Salão Jovem Arte Contemporânea, organizado pelo Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo – principalmente nos critérios adotados para a seleção. (Num regulamento cheio de outras novidades, o Museu prevê seleção através de sorteio). Argumenta o manifesto: E os bons artistas sem sorte? Vão ficar de fora?

Pouco depois tudo se esclareceu. Assustado com a reação imprevista até de jornais (que se recusavam até a publicar o manifesto), seu autor, o artista plástico Aldir Mendes de Souza, 31 anos, teve que se identificar. Lançou outro manifesto (cujas acusações continuam quase as mesmas) e divulgou junto, sua obra: uma nova versão da Mona Lisa, em que o famoso sorriso foi escondido por uma máscara preta. “É máscara, não mordaça”, esclarece prudentemente o autor. Mas a briga ainda não terminou, continua nesta semana, quando será inaugurado o polêmico Salão, e Aldir poderá testar, pelo menos, sua sorte.

Publicado na Revista Veja, 1972
Delmiro Gonçalves

> São Paulo, 1973

Tecnicamente, para usarmos um dos jargões da crítica jornalística, Aldir já está em plena posse das suas armas de trabalho, quer dizer, já se mostra um pintor plenamente realizado: não se trata agora de procuras técnicas, trata-se de um artista que, tendo encontrado o seu “motivo” trabalha sobre ele exaustivamente…

O artista pretende mostrar nesta exposição seus “dez anos de cafezais” e ele mesmo declara, logo de saída, que nunca viveu numa fazenda, nunca conviveu com cafezais. Trata-se portanto de memorações oníricas. Como chegou a isso ele mesmo responde simplesmente: “O cafezal, o símbolo organizado das longas filas de árvores alinhadas metodicamente, com seus verdes na época comum, com seus braços na da floração, com seus vermelhos no tempo de amadurecimento do fruto, com seus marrons esverdeaods na época da colheita, são, creio eu, um desafio pictórico. E depois, o sentido nacional que a planta, a terra e o fruto implica”.

Partindo daí, numa transubstanciação do motivo, Aldir nos motra, em sua pintura, toda uma gama de tons, de liberdade de linhas, do uso das tintas e das cores num pontilhismo desmesurado que pode lembrar de longe Seurat, mas um Seurat transformado em tons de brasilidade, sem nacionalismo espúrio, sem demagogias. Apenas uma procura de um tema novo, tão pouco explorado por nossos pintores. Portinari e outros trataram do tema num sentido social. Aldir mostra a planta em si, a terra que a envolve, abandonando o homem que nela trabalha, que sofre e morre nela. Uma forma positiva de mostrar toda a plasticidade que a árvore e a terra apresentam. Sem mistificar, transformando a planta apenas como motivo plástico. O que já é um dado positivo.

Tecnicamente, para usarmos um dos jargões da crítica jornalística, Aldir já está em plena posse das suas armas de trabalho, quer dizer, já se mostra um pintor plenamente realizado: não se trata agora de procuras técnicas, trata-se de um artista que, tendo encontrado o seu “motivo” trabalha sobre ele exaustivamente, em variações de cores, de volumes, que não hesitam em por, ousadamente, cercas agressivas rodeando seus cafezais, numa conotação antes lírica do que simbólica. Demonstra assim uma vontade de quebrar a lírica paisagem pontilhada das árvores coloridas quase sempre me verde e amarelo, ousando uma série de cores, os tons mais inusitados, para torná-las, as cercas, numa espécie de símbolo do domínio do café em toda estrutura econômico-agrária do Brasil.

Enfim, acreditamos que Aldir vai mostrar uma fase nova, da nova pintura que encontra ressonâncias nas bananas amargas e amarguradas, mas cheias de volúpia, que celebrizaram Antonio Henrique Amaral, de quem Aldir, aliás, é amigo e admirador.

Publicada no jornal O Estado de São Paulo
Sheila Leiner

> São Paulo, 1973

Aldir, cirurgião plástico, pintor e cineasta, é, antes de tudo um jovem irreverente e talentoso que conseguiu aliar o ecletismo e diversificação de sua personalidade, a uma proposta coerente e uniforme, que é o fio condutor de sua obra.

Irreverente, Talentoso e Eclético
Aldir, cirurgião plástico, pintor e cineasta, é, antes de tudo um jovem irreverente e talentoso que conseguiu aliar o ecletismo e diversificação de sua personalidade, a uma proposta coerente e uniforme, que é o fio condutor de sua obra.

Como pintor, conquistou, depois de muito trabalho e pesquisa, um considerável prestígio em nosso meio artístico.
Sua vocação se insinuou desde criança, com influência de sua mãe, pintora acadêmica, com quem ele aprendeu os primeiros rudimentos da técnica. Mas Aldir considera-se um pintor autodidata. Sua primeira exposição foi em 1962, na Escola Paulista de Medicina onde evidenciou-se sua principal preocupação: a figura humana. Em 1965, como interno do Hospital das Clínicas, sensibilizou-se com a condição subhumana dos indigentes, aos quais atendia, e realizou uma exposição no Teatro de Arena. Tentou mostrar, então, através de uma pintura ingênua, a desproporção entre o trabalhador e o seu trabalho. Foi uma mostra que o incentivou a continuar pintando.

Para ele, o ano de 1966 foi de grande produção artística. Iniciou uma série de quadros de temática fundamental social, passando em seguida a fazer uma análise crítica da “supermetrópole”. Pintava favelas, cidades, apontava o perigo iminente da explosão demográfica, sugeira o problema da alimentação da população, aliado à tecnologia como meio de controle e solução para este problema. Usava para isto uma associação pictórica quase expressionista da indústria aliada à cidade e à agricultura.

O elemento humano foi praticamente eliminado das composições, numa tentativa de conseguir mais força para esta figura que, sozinha, como componente total, permanecia medíocre e pequena.
Começou então a pintar cafezais e mostrar a força econônica deste produto para o desenvolvimento do nosso país. Continuando com a antiga idéia, mostrou também a desproporção entre as condições de colheita e os próprios cafezais, que não fosse o seu valor essencialmente estético não teriam grande importância frente ao conjunto da obra do artista.

Em 1970 além de explorar os formosos e polêmicos quadros em raio-X, Aldir tornou-se aquilo que se pode chamar de um verdadeiro paisagista, no sentido de explorar (com bastante sensibilidade) os elementos que a natureza tropical oferecia. Como todo urbanista, sentiu a necessidade vital de uma aproximação maior com a natureza, e a única maneira que encontrou foi consultar arquivos de jornais e procurar suplementos agrícolas, onde se inspirava. Assim, Aldir é, segundo sua própria definição, um paisagista de imaginação, e acha que talvez seja mais importante se orientar com o realismo fotográfico mesmo.

Seus últimos trabalhos são orgânicos, tendo sempre à frente um tamanho desproporcional, uma perspectiva quase primitiva, um elemento que se contrapõe e chama a atenção para o contraste (desproporção) existente entre ele e os demais componentes, não fugindo nunca a idéia anterior que orientou todo o seu trabalho.

Publicada no Jornal Última Hora
Paulo Mendes de Almeida

> Rio de Janeiro, 1976

Aldir Mendes de Souza é de nascença, por temperamento versátil e curioso. E canhoto. Embora ainda jovem, há mais de uma década, se reparte, e se deixa absorver, por múltiplas atividades, das quais quatro sobressaem: a cirurgia plástica, a pintura, o cinema e a quarta, bem, a quarta… É de se considerar que todas elas tem um denominador comum que se radica na representação visual: aquilo que os olhos vêem, da vida, do mundo e das coisas que o rodeiam.

Industrialização do Café
A versatilidade, teoricamente, poderá ser considerada bem mais um predicado, do que um defeito – e há nisso, ao longo da história, um número considerável de exemplos ilustres. Na prática, porém, frequentemente sucede que…a teoria é outra. Pois não é menos verdade que cada uma das atividades ou disciplinas, a que pode o homem se dedicar, dele exige – e em escala crescente, à medida em que se aprofundam os conhecimentos gerais e novas técnicas e materiais vão surgindo, o monopólio da sua atenção e do seu exercício. Quando aquela e este se distraem e se repartem em campos diferentes, o mais provável é que, em nenhum deles, possa o agente, o artista, o cientista, o esportista, etc., dar de si tudo o que lhe permitem seus dotes naturais, e logre, vencendo as complexidades inerentes a cada espécie, transpor a superfície dos problemas, rumo ao âmago, ao cerne, onde reside a substância mesma daquilo que se propôs realizar.

Mas, por outro lado, a versatilidade é um pendor, uma tendência natural congênita em certas criaturas. Assim como a curiosidade (sua irmã). Nasce-se versátil, ou curioso, como se nasce canhoto.

Aldir Mendes de Souza é de nascença, por temperamento versátil e curioso. E canhoto. Embora ainda jovem, há mais de uma década, se reparte, e se deixa absorver, por múltiplas atividades, das quais quatro sobressaem: a cirurgia plástica, a pintura, o cinema e a quarta, bem, a quarta… É de se considerar que todas elas tem um denominador comum que se radica na representação visual: aquilo que os olhos veem, da vida, do mundo e das coisas que o rodeiam.

No campo das estritamente chamadas “artes plásticas”, devemos acrescentar que Aldir alia a versatilidade ao ecletismo, quando, em certo momento, podo o pincel em repouso, parte para a feitura de objetos de acrílico.
No entanto, e isso poderá parecer menos consentâneo, poucos artistas têm permanecido fiéis, o quanto ele, a um determinado tema e mesmo a uma uniforme e determinada linguagem, que se esforça por aprimorar. Refiro-me, é claro, ao tema dos cafezais, insistentemente tratado em sua pintura, e de tal forma que, em sua produção, esse tema passou a valer como assinatura. Aqui enxergo uma virtude, pois que desconfio daqueles que não esquentam lugar algum, e que, em nome do vanguardismo, da comunicação, ou da contemporaneidade ( expressões cifradas em que a crítica local, jovem na idade, se compraz), mudam a cada semana, como se acaso, em matéria de arte, a menor medida cronológica não fosse a de quinze ou vinte anos, para não dizer, mais acertadamente, a de uma vida inteira. Não é da esquina que se vislumbra a estrela que poderá estar fulgindo ao fundo de uma rua…

Nesse passo, no caso específico dos cafezais de Aldir, não seria justo dizer que ele apenas passou pela esquina e lhes deu uma rápida espiada. Há muitos anos, vem procurando o artista extrair desse tema as virtualidades, dando novas disposições aos mesmo elementos, variando e afinando a cor, perseguindo certo escopo de exação e limpeza, cuidando na segurança e no ritmo da pincelada, num processo de depuração.

Atualmente, Aldir procura introduzir, no mesmo tema, os aspectos prosseguintes da industrialização e comércio do café, comparecendo então, com suas chaminés, de demais características de sua arquitetura usual, as usinas de moagem e torrefação ou os armazéns de ensacamento e estocagem. Quero crer que, nessa fase, chegou a resultados mais convincentes, a uma pintura mais organizada, em que repontam as marcas de um construtivismo geométrico, perfeitamente compatibilizados na estrutura geral da composição e com o objeto representado.

É com sincero júbilo que registro esse inegável progresso na pintura de Aldir.

Texto publicado no catálogo da exposição “Aldir Mendes de Souza – 14 anos de Cafezais: 1963/1976”, realizada na galeria La Maison de France, Rio de Janeiro, 1976
Roberto Pontual

> Rio de Janeiro, 1976

Na verdade, a linguagem que Aldir tem mantido como uma das bases principais, a manipulação dessas fumaças em termo de significantes – isto é, cada artista tenta transmitir.

Aldir Mendes de Souza, paulista nascido em 1941 e até hoje vivendo em São Paulo. Sua exposição de agora surpreende positivamente, não por se tratar de artista com obra pouco divulgada e conhecida, mas exatamente porque de suas várias aparições em público nos últimos tempos ficara a impressão de uma versatilidade de valores e resultados duvidosos. Ao lado da pintura e aproveitando a prática profissional como cirurgião plástico, ele iniciara em 1971 uma série de experiências criativas com o raio-X e cineradiografia, que o levaram ao uso das próprias chapas ou à elaboração de objetos e audiovisuais a partir delas. Mas felizmente parece que sua atenção maior se volta para a pintura e, nela, para um tema central e definido há quase quinze anos de continuidade, embora nem sempre exclusiva: a paisagem dos cafezais paulistas. Isto Aldir demonstrou em 1973, ao expor 10 Anos de Cafezais, na Galeria Ipanema, de São Paulo, e confirma na sua mostra atual na Maison de France, no Rio, toda dedicada ao referido tema.

Foi em 1961 que ele descobriu os cafezais, através de foto publicada num suplemento agrícola. Mas só dois anos mais tarde iria começar a aplicar a idéia de fixá-los em pintura, desinteressando-se desde logo de apenas documentá-los como prazer oferecido aos olhos.

De um modo ou de outro, com maior ou menor explicitude, sua visão dessa paisagem é (ou pretende ser) crítica. Já nos primeiros trabalhos – escuros, com textura se evidenciando em acúmulos da massa de tinta- , a realidade rural se fechava, perdia a sua atmosfera bucólica convencional, a sua visualidade viva e luminosa, sufocada pela proximidade ou invasão da cidade. O urbano vinha simbolizando nas chaminés das fábricas, se multiplicando e jogando para o ar o peso de fumaças ameaçadoras.

Aos poucos, no entanto, a escuridão e o sufocamento iniciais foram ali se atenuando. Em superfícies de pintura cada vez maiores, voltou a luz clara do dia, talvez, de uma parte, para acentuar o contraste com o negrume das mesmas fumaças de antes – estas sim, inevitavelmente presentes de um quadro ao outro. Na verdade, a linguagem que Aldir tem mantido como uma das bases principais, a manipulação dessas fumaças em termo de significantes – isto é, cada artista tenta transmitir. São fumaças ainda negras e densas, às vezes, mas podem ser também enganosamente charmosas quando mostradas em cores, ou ironicamente iluminantes do céu quando transformadas em holofotes. Abaixo o verde vai indo embora e ninguém assiste à cena.

Natureza e cultura, orgânico e inorgânico, vegetal e máquina, terra e fuligem ali travam um combate, com as armas de uma pintura quase sempre bem dosada e correta. Tudo o que resta ao ser humano é o artista, que por sua vez o elimina da paisagem.

Publicado no Jornal do Brasil
Frederico Morais

> Rio de Janeiro, 1976

Desde o ano passado, o artista mostra-se mais preocupado com questões técnicas de pinturas. Quer fazer uma boa pintura, usa tecido de linho, busca transparências de cores, quer alcançar um equilíbrio tonal. E consegue.

Marinhas, Mulatas, Bois, Bananas e Cafezais: Cada pintor com sua Obsessão.
Em todas as épocas da história da arte, inclusive no realismo atual, o que é pintado ou esculpido tem tanta importância quanto a maneira de pintar ou esculpir. A emergência ou permanência dos temas resultam de motivações as mais variadas. Em épocas passadas, os temas foram impostos, ora pela igreja, ora pelas classes políticas ou econômicas.

Nos realismos – socialista, capitalista, mágico – os temas são fundamentais. Hoje, com frequência, resultam de modismos culturais, são gerados pela cultura de massa ou, ainda, pro pressões do mercado de arte. No Brasil, os temas estão ligados a ciclos ou atividades econômicas e políticas (ouro, açúcar, café, boi, Vargas etc).

E ao longo de sua obra, alguns artistas recorrem a um único tema, ou há um tema dominante (as marinhas em Castagneto ou Pancetti, as mulatas em Di Cavalcanti), ou temas dominam fases às vezes longas na obra de certos artistas, como as cidades barrocas, em Guignard, as reduções geométricasde figuras femininas e cidades, em Milton Dacosta, hoje pintando o binômio Vênus/pássaro.

Os temas quais são?
Para ficarmos em alguns exemplos brasileiros recentes, podemos mencionar o boi e/ou a bovinocultura em Humberto Espindola (preparando-se, aliás, para iniciar o ciclo das rosas) , a banana, em Antonio Henrique Amaral, a getuliana, de João Câmara Filho, o ônibus, em Raimundo Collares, os objetos domésticos, em Wanda Pimentel e o cafezal, em Aldir Mendes de Souza.

Na obra desses artistas e otema tem persistido, variando apenas o enfoque, o suporte ou os elementos correlatos. Wanda e Collares simplificam até quase a abstração seus temas, tendendo a composições minimalistas; Antonio Henrique e Aldir apuraram a técnica, o primeiro num caminho quase hiper-realista, tendo a fotografia como base; Espindola saiu do quadro para a criação de ambientes, voltando novamente ao quadro, ao mesmo tempo em que procurava situar o boi na paisagem do pantanal. Em todos esses artistas, o tema é usado criticamente, discutindo-se por seu intermédio o contexto sócio-político e cultural.

O Cafezal
De todos eles, o que persiste há mais tempo no tema é Aldir Mendes de Souza. Em 1962 ele pintou seu primeiro cafezal, e 14 anos depois continua fazendo variações em torno do tema, que parece inesgotável, como de resto todos os temas, se aprofundados. Claro que nesse mesmo tempo levou a cabo outras experiências – realizou alguns objetos abordando a questão da explosão demográfica, considerou a radiografia como forma de arte e fez experiências em cinema, de curta e longa metragem,. Como pintor, entretanto, seu tema único tem sido o cafezal.
Situação curiosa: país de dimensões continentais, com paisagem diversificada e um vasto litoral, o Brasil não conta com grandes paisagistas, entre os quais se destacam apenas dois grandes marinhistas, Pancetti e Castagneto.

Num país que é o maior produtor de café do mundo, e sendo este produto nossa principal fonte de divisas, o tema aparece muito raramente em nossa arte. Isto apesar de termos no quadro de Portinari, “Café”, de 1934, um clássico de nossa pintura. Se na obra de Portinari a colheita do café adquire características épicas, ao mesmo tempo em que revela, no artista, a influência do muralismo mexicano, o tema aparece muito esparsamente na obra de outros pintores. Recordo-me de Sérgio Campos Mello, enfocando sob a ótica do Kitsch(o pais do cafezinho), Djanira (cafezais) ou José Lima (grãos de café formando relevos em sua gravura etc.

Suplementos Agrícolas
Autodidata e exercendo simultaneamente a profissão de cirurgião plástico, Aldir Mendes de Souza é paulista do bairro do Ipiranga. Paulista como Djanira e Portinari, mas metropolitano, citadino. Hoje, mora em um bairro residencial, mas pertinho funciona uma fábrica de café solúvel, a Dominium. Da sua casa ele vê as grandes chaminés poluindo os céus paulistas e sente o cheiro do café torrado.

Mas, diferentemente de Manabu Mabe, que morou e trabalhou em uma fazenda de café e acabou sendo um dos líderes da corrente informal no Brasil, Aldir viu os primeiros cafezais nas páginas dos suplementos agrícolas que acompanham as edições dominicais dos jornais paulistas. Seus cafezais são pintados de memória.

De certa maneira, portanto, o artista reinventa os cafezais, usando livremente as cores e o desenho. O cafezal é um ponto de partida para uma reflexão mais ampla sobre os problemas da cidade (muito mais do que os do campo) e da realidade brasileira. É por isso que, além dos cafezais, aparecem em suas telas automóveis, chaminés de fábricas, viadutos e edifícios, ancinhos e tanques de guerra.

Com estes elementos, ele arma equações plásticas e sua crítica a aspectos da realidade econômica brasileira. Assim, ao mesmo tempo em que se diz fundamentalmente pintor – “o tema não é o mais importante”, afirma – e paisagista preocupado com a estrutura da composição, com equilíbrio das cores, etc, ao mesmo tempo em que vê a cidade avançando com seus viadutos e asfalto cheios de automóveis pelo campo tornando-se uma coisa só, sem intervalos ou vazios para a vista descansar.

Dentro de muito pouco tempo, Rio e São Paulo ter-se-ão encontrado, assim como os campos plantados estão cada vez mais próximos do asfalto. Trata-se de um aproveitamento total do espaço.
– Minha pintura, portanto, é uma espécie de documento de uma época, ela não é nostálgica do campo (pelo contrário, às vezes a paisagem pintada é traumática) nem é pura condenação da cidade.
Mas quem quiser pensar que pense, como observa Aldir – a indústria que está aí é fictícia, não é nossa – pagamos os royalties e ganhamos a poluição.

A Exposição
A exposição que Aldir abriu ontem na galeria da Maison de France reúne 27 telas, cobrindo 14 anos de reflexões sobre o tema. O artista pintou seu primeiro cafezal, como foi dito, em 1962 – matéria grossa , cores escuras, um clima expressionista, quase noturno. Dois anos depois apareceram sobre a tela, na forma de relevos e pintura/colagem – chaminés, prenunciando a fase atual.

Em 1968, os cafezais aparecem pintados de verde, bem redondos, formando filas que se perdem em ondulações no campo, ao mesmo tempo serpenteando entre edifícios, viadutos e automóveis, pintados de cinza. Surgem depois, em telas de 1971, o arame farpado e, em 1973, fábricas em primeiro plano e também a geada – árvores secas, vazias, queimadas pela neve. Em quadros do mesmo ano, cidade e campo se cruzam, estradas de café e estradas de asfalto. Viadutos abarrotados de carros paralisados cobrem campos de café. Surrealismo? Ou excesso de realismo?

Mais ou menos na mesma época surgem tanques arando campos, numa guerra cinza e fria. Desde o ano passado, o artista mostra-se mais preocupado com questões técnicas de pinturas. Quer fazer uma boa pintura, usa tecido de linho, busca transparências de cores, quer alcançar um equilíbrio tonal. E consegue. Ao mesmo tempo pinta a arquitetura das fábricas e chaminés, a composição torna-se abstrata e construída.

Com o afastamento do olho-câmera, os cafezais transformam-se em grãos de café e estes em retícula colorida, a ocupar a parte inferior da tela, enquanto no alto, os telhados das fábricas e a fumaça das chaminés formam triângulos invertidos em composições sólidas. A poluição permite a Aldir elaborar quadros mais geométricos.

No último trabalho da mostra, suprema ironia, das chaminés da fábrica de café solúvel parecem surgir em meio à fumaça, grãos de café, como se o artista iniciasse um percurso de volta. Se antes do mapeamento rural chegou à sofisticação tecnológica, agora, seguindo o rumo da poluição (fumaça), chegará de novo ao campo.

Publicado no jornal O Globo
Jaime Maurício

> Rio de Janeiro, 1977

Aldir realmente tem o senso do monumental, da opulência volumétrica em suas paisagens campestres, plasticamente originais e pujantes, num tratamento espacial másculo e arejado, sem concessões ao lirismo paisagístico habitualmente cheio de pieguices e muitos clichês.

É corajoso e experimental Aldir Mendes de Souza, em sua primeira individual carioca no Instituto Brasil – Estados Unidos (Copacabana). As dimensões e o número de telas causam um forte impacto e seu exame é positivo. Coerente, porém diversificado dos trabalhos que vimos no Salão de Campinas e cuja análise num júri que integrávamos tornou-se um dos mais engraçados incidentes de júri que temos visto, entre Mário Schemberg “versus” Aracy Amaral e Frederico Morais, estes numa dobradinha furiosa.

Aldir realmente tem o senso do monumental, da opulência volumétrica em suas paisagens campestres, plasticamente originais e pujantes, num tratamento espacial másculo e arejado, sem concessões ao lirismo paisagístico habitualmente cheio de pieguices e muitos clichês. Aldir prefere os tons sem brilho, opacos, mas à composição aliam-se as dimensões das telas para assegurar o que elas se propõem. Há uma cadência marcante nos contrastes vivos e entre os primeiros planos, folhas e frutas de possíveis cafezais, que cruzam o espaço pictórico e os planos de fundo, com suas colinas cultivadas a fugir para o horizonte. Uma original contribuição paisagística de interesse, num país tão pobre de paisagistas.

Aldir é também um pintor de superestrada, do drive-in, mas sempre paulista, nacional, sem transposições discutíveis para estradas americanas.

A nota experimental, no sentido de meios e resultados insólitos, não são os cafezais ou estradas, mas os trabalhos radiográficos expostos, indicação clara das inquietações renovadoras do artista, e da vontade de uma contribuição individual relacionada com o seu mundo científico. Aldir toma o Raio-X para formular uma nova técnica plástico visual, que presta-se particularmente para conotações críticas e algo mordazes um instrumento de devassa das entranhas humanas, um revelador de realidades esqueléticas que costuma desprezar todas as superfícies externas do animal humano. Para que essas superfícies possam ter a sua vez, Aldir recorreu à pintura com sais de bario, que as tornam semi-opacas aos raios, delineando-as vagamente em volta de seus suportes ósseos.

A idéia é original e válida, já rende bem nesta sua primeira apresentação, tem capacidade para ir mais além e o seu criador por certo saberá fazê-lo.

Novas idéias, ainda que formuladas precariamente, eis a busca permanente da crítica e do colecionador consciente. Aldir não teve oportunidade de expor maior número de trabalhos que já realizou nesta linha de procura, o que seria possível com o emprego de superfícies luminosas mais amplas, para fundo de grupos de radiografias, ao invés dos negatoscópios para radiografias isoladas. Um palpite neste terreno incerto de novidades e buscas, onde não há a referência cômoda nem a experiência básica.

Um filme foi projetado na inauguração da mostra e que pôde ser visto numa pequena tela instalada em sala contígua à exposição, serve como demonstração do muito que Aldir já trabalhou na nova técnica ou no novo meio. O movimento confere ainda maior interesse à pesquisa. Algumas sequências do filme são muito fortes do ponto de vista plástico e do ponto de vista expressivo, principalmente a dos dedos a acionar uma máquina de escrever e a das duas arcadas dentárias descarnadas a se beijar. O roteiro porém não é claro ou é demasiado subjetivo.
Aldir Mendes de Souza pisa com firmeza nesta sua primeira incursão no Rio de Janeiro.

Publicado no jornal Correio da Manhã
Sonia Nolasco Ferreira

> Nova Iorque, 1977

A outra preocupação de Aldir é a cor. Numa época em que os pintores não se fixam mais em cor definida, ele é um especialista do ton sur ton, as telas são de uma beleza plástica total…

Sonia Nolasco Ferreira de NY para o jornal O Globo, 19/12/1977

Sonia Nolasco Ferreira era Correspondente do Jornal O Globo, em Nova Iorque
Ivo Zanini

> São Paulo, 1978

Não é só a terra, a plantação de mudas, a colheita do café que está dimensionado em sua pintura. A instalação de fábricas do produto solúvel junto às fazendas, o aparecimento das estradas e até de favelas nas proximidades onde estão os cafezais, motivaram o artista a englobá-los em uma manifestação só.

Ivo Zanini para a Folha de S. Paulo, 1978

Publicado no jornal Folha de São Paulo
Geraldo Ferraz

> Guarujá, 1978

Vendo agora os quadros de sua última fase de trabalho, tenho que reconhecer que neles se incute uma das mais ricas sensibilidades que entre nós, pelos caminhos da inteligência, chegou a codificar o espaço, a trazer-nos, em sua fremência, a terra tocada pela mão do semeador.

Detenhamo-nos mais uma vez, e sempre diante das propostas pictóricas de Aldir Mendes de Souza. Para chegar ao “geometrismo simbólico”, com que denominou essa abordagem de artista, o crítico Silvio Vasconcelos, o pintor esteve e se manteve adstrito a uma formulação de desenho, o que é muito pouco para caracterizar-se uma temática e a insistência nela desde que o conhecemos. Imagem formadora do centro de gravidade de uma decisão, escrevemos certa vez, Aldir visualizou, pelo desenho, sua dominação do panorama. Acontece que esse panorama paulista sobre que se debruçou em sua reflexão, foi, é, o panorama da “onde verde” dos cafezais. Isto diria pouco se este pintor se cingisse apenas à cópia, o fato é que ele jamais se esqueceu da transfiguração que toda visão de artista compreende, e fazendo isto, “ordenando” o cenário da lavoura, ele produziu o que hoje pode ser denominado de uma “reformulação da perspectiva”, o que é bem uma volta ao antigo, dado que a aventura cubista foi, precisamente, a de quebrar com trezentos anos de boa perspectiva.

Ao decompor os fatores de sua ” Demoiselles d”Avignon” , Picasso liberou a pintura da perspectiva.
Estamos há setenta anos desse acontecimento; Aldir nos propôs recompor a perspectiva, mas não a da Renascença, senão uma ordenação caracteristicamente sua, imposta pelo desenho à geometrização simbólica do panorama. Com isto, consegue resultados eficientíssimos: desdobra a perspectiva aérea, que o renascentista não conhecia, e comanda a distensão dos cafezais pelas montanhas invisíveis ao olho humano na sua escala.

Então chega a hora da pintura, e esta, ainda nos seus instantes mais luminosos e vibrantes, acha-se contida por temperamento e opção, nascida esta última de força da terra, na discrição quase violentadora de alguns planos, de vegetal, céus e terras, apanhados e subordinados à planificação do artista. Contudo, não é uma pintura em que não se tenha, também, sempre, o amoroso dado sensível. Vendo agora os quadros de sua última fase de trabalho, tenho que reconhecer que neles se incute uma das mais ricas sensibilidades que entre nós, pelos caminhos da inteligência, chegou a codificar o espaço, a trazer-nos, em sua fremência, a terra tocada pela mão do semeador.

Silvio de Vasconcelos

> Washington, 1977

Poucos pintores, a não ser os primitivistas,, deixaram-se seduzir nos últimos quarenta anos pela paisagem nacional. Nesse sentido, Aldir Mendes de Souza se excepcionaliza. Sua pintura não é cópia fiel, acadêmica, na natureza onde vive o artista. Longe disto. Mas retrata, em simbolismo geométrico, a terra paulista.

Insisto: a penetração cultural do Brasil nos Estados Unidos está longe de corresponder às expectativas do povo americano e às aspirações de nos tornarmos uma grande nação. Brilhamos pela ausência, caímos no popularesco das macumbas e pornochanchadas ou em pretensiosas exibições sinfônicas. Nos dois casos é falsa a impressão que o Brasil deixa. No primeiro nos assemelhamos ao Haiti; no segundo arriscamos o ridículo de confrontos desfavoráveis com as melhores orquestras do mundo.

Com isso nossa realidade cultural autêntica, nossa maneira genética de ser, nossos madrigais renascentistas, nossa pintura e literatura que, de fato nos retratam, persistem inacessíveis ao povo americano.

Faço esse introito choroso para revelar que, no entanto, nem tudo está perdido. Funciona em Washington um Instituto Cultural Brasil-Estados Unidos que se constitui em exceção ao exposto. José Neinstein, seu diretor, tem pelejado para colocar as coisas em seus devidos lugares. Principalmente exibindo artistas brasileiros contemporâneos em contínuas iniciativas.

O Instituto, aliás, é o único lugar em Washington, onde americanos e brasileiros se encontram, se solidarizam, o único lugar onde os primeiros podem manter contato com a inteligência e arte brasileira.
Este mês o Instituto está expondo telas de Aldir Mendes de Souza. Paulista, seus trabalhos focalizam a força dos cafezais e da indústria de São Paulo.

A temática é extraordinária, principalmente na modernidade estética em que vivemos, marcada por abstrações e vanguardismos internacionalizantes que não expressam o particular ambiente que lhe corresponde. Poucos pintores, a não ser os primitivistas,, deixaram-se seduzir nos últimos quarenta anos pela paisagem nacional. Nesse sentido, Aldir Mendes de Souza se excepcionaliza.

Sua pintura não é cópia fiel, acadêmica, na natureza onde vive o artista. Longe disto. Mas retrata, em simbolismo geométrico, a terra paulista.

A coleção que aqui trouxe tem laivos de primitivismo na construção, no detalhe, no desenho estrutural que sustenta as cores. Contudo, tem também a modernidade da atmosfera, da composição e da erudita intenção plástica. O colorido é em tons baixos, terras, pouco luminosos, com os quais Aldir pretende traduzir talvez a poluição atmosférica. Perdem-se no propósito a vivacidade luminosa tropical e o contraste dos verdes do campo com os azuis do céu, mas uma cuidada perspectiva encarrega-se de dilatar os espaços e os planos da pintura, obtidos com a largueza.

Aldir Mendes de Souza pode não ter alcançado ainda o que procura. Sua minuciosa e paciente construção de paisagens denota menor domínio da técnica da pintura e prejudica a espontaneidade que lhe é necessária. Entretanto, sabe o que quer e persegue seus objetivos em consciente esforço. Ao contrário de muitos artistas ditos modernos, não está brincando com o pincel, nem buscando efeitos arbitrários que freqüentemente impressionam a crítica. Deixou-se sensibilizar pela terra, pela imensidão que o cerca, pela força potencial dos cafezais que se estendem ao infinito e pela atualidade industrial que os acompanha. Sua pintura é pois brasileira. Na temática e na intenção plástica. E é muito bom que tal pintura tenha vindo aos Estados Unidos. Porque corresponde em verdade ao que somos, à nossa capacidade de produzir e de sentir, ao nosso ambiente e à nossa arte.

Praza a Deus que o Instituto Cultural Brasil – Estados Unidos continue a desenvolver as atividades que vem desenvolvendo. E que outras exposições como esta cheguem até aqui, sem o ridículo do popularesco ou de pretensões idiotas.

Pois não é mesmo?

Silvio de Vasconcelos era correspondente em Washington do Jornal O Estado de Minas
Carlos Von Schimidt

> A bordo de um Boeing 337 da Aerolineas Argentinas, entre Buenos Aires e São Paulo. 07 de setembro de 1978

Nunca, em toda sua vida artística, Aldir disse tanto com tão pouco. Observando sua trajetória até 1975, podemos hoje constatar o grande passo empreendido… São poucos os artistas da sua geração que possuem tal domínio. Aldir o tem e chega a abusar do mesmo. Isso porém não impede que o cromatismo desenvolvido alcance em determinados momentos, pontos altíssimos. E quando a cor se impõe com tal superioridade, que a fabulação praticamente não conta. Não existe.

A 6.000 metros de altitude, quando o céu está limpo, o mar, os campos, os montes, os rios, as estradas, as cidades, são manchas e traços que variam de tons e formas à medida que o sol incide sobre, com maior ou menor intensidade. Às vezes há reflexos metálicos, que desaparecem logo. Outras, enormes manchas escuras, compactas, maciças. Observo a paisagem que flui rápida. No contínuo mudar, na sequência de novas, algumas quase abstratas, configuram-se como pintadas por Aldir Mendes de Souza. Em especial, as pintadas nestes últimos seis meses. Aquelas em que eliminou os componentes figurativos desnecessários, restringindo-se aos essenciais. Componentes que se caracterizam pela ausência do anedótico e emprestam à pintura de Aldir um inédito significado: a concisão. Nunca, em toda sua vida artística, Aldir disse tanto com tão pouco. Observando sua trajetória até 1975, podemos hoje constatar o grande passo empreendido.

Nestes últimos três anos, cada vez menos literal, ganhou maior força, maior comunicação. Paralelamente ao processo temático desenvolveu-se o técnico. Aos poucos sua paleta também sofreu radicais transformações. À medida em que se depurava o tema, a cor acompanhava a depuração. Surgiram os verdes, os azuis, os cobaltos, os roxos, os amarelos, os ocres, os terras, os cianos. Não mais chapados como antes. Agora, explorados em toda sua potencialidade, através de cuidadosa e apurada técnica. À primeira vista, a impressão que se tem das pinturas atuais, é de que são têmperas. Na realidade são pinturas a óleo, trabalhadas pelo artista que visa através da transparência da tinta e da leveza da textura resultado próximo daquele.

São poucos os artistas da sua geração que possuem tal domínio. Aldir o tem e chega a abusar do mesmo. Isso porém não impede que o cromatismo desenvolvido alcance em determinados momentos, pontos altíssimos. E quando a cor se impõe com tal superioridade, que a fabulação praticamente não conta. Não existe. Os cafezais, as multinacionais, a poluição, as favelas, passam a ser pontos de partida, nunca de chegada. O que conta na realidade, é a cor. Esta sim, quase sempre ponto final, fim de linha, de percurso, definitiva. Quer seja trabalhando a paisagem rural ou a urbana, imprime-lhes a visão segmentada de planos elaborados a partir do enquadramento com nítidas características da linguagem cinematográfica. Quando isto ocorre notadamente naqueles enquadramentos em que os planos gerais dominam, a pintura torna-se abstrata. Os campos cultivados, as zonas aradas, as plantações, ainda que sob a estilização, sobre tudo, sob a sintetização desenvolvida pelo artista, perdem as conotações que lhe são próprias, passando a existir tão somente como zonas de cor. Os contrates, as harmonias que se estabelecem estre estas zonas, nos revelam um colorido cujas potencialidades cada vez mais se manifestam. Não sei se o caminho escolhido pelo artista é o que podemos observar nesta exposição. Sei apenas que através dele procura estabelecer coordenadas para as próximas. Quando estas coordenadas estiverem, traçadas, determinadas, estabelecidas, toda obra existente até o presente significará apenas uma tomada de posição. Talvez, referencial.

A partir desta exposição é preciso estar atento a Aldir Mendes de Souza. No seu atelier, o terno conflito artista-obra, obra-artista, está em curso. Nas paredes desta galeria, apenas uma pequena parcela dessa luta.
A bordo de um Boeing 337 da Aerolineas Argentinas, entre Buenos Aires e São Paulo. 07 de setembro de 1978.

Texto publicado no catálogo da exposição “Paisagem Rural”, realizada na galeria Arte Global, São Paulo, 1978.
Walmir Ayala

> Rio de Janeiro, 1979

Como não poderia deixar de ser, numa mente organizada cientificamente e atenta à realidade do progresso científico e tecnológico, a pintura de Aldir transfigurou-se a partir de uma visualidade geometricamente estruturada. Não tão geométrica que se perca o fio, episódio do tema, mas suficientemente geométrica para nos comunicar, além da memória do real, uma estrutura ótica de invejável dinamismo. Aldir me faz lembrar roteiros de ofício como Ianelli, e mesmo Volpi, mestre de todos, a vértebra que sustenta a essência.

A paisagem rural, tema obsessivo e coerente de Aldir Mendes de Souza, chega até uma individual carioca (inauguração hoje, às 18 horas, na galeria Sérgio Milliet, da FUNARTE) como uma verdadeira lição de sensibilidade comandada.

Lembremos de seus primeiros trabalhos, nos quais a referência campestre vinha resolvida em grandes florões, e onde se salientava o gosto pelo desenho, pelo monumental, por uma estilização intencionalmente de gosto ingênuo. Como não poderia deixar de ser, numa mente organizada cientificamente e atenta à realidade do progresso científico e tecnológico, a pintura de Aldir transfigurou-se a partir de uma visualidade geometricamente estruturada.

Não tão geométrica que se perca o fio, episódio do tema, mas suficientemente geométrica para nos comunicar, além da memória do real, uma estrutura ótica de invejável dinamismo. Aldir me faz lembrar roteiros de ofício como Ianelli, e mesmo Volpi, mestre de todos, a vértebra que sustenta a essência.

Sabiamente fixado em cafezais, seu tema freqüente, ele aproveita do repetitivo natural do motivo, em seu plantio paralelo e progressivo, atuando sobre o tonalismo como recurso mínimo de envolver o interesse do espectador. Para o desafio dessa aventura de comunicação, convidamos nossos leitores.

Publicado no jornal A Notícia, 1979
Adalice Araújo

> Curitiba, 1979

Em 1969 com Arcângelo Ianelli, Maria Stella Tristão, Poty e Velloso participei do júri do 26º Salão Paranaense. Lembro do impacto causado por uma das obras então premiadas, um cafezal azul de Aldir Mendes de Souza, onde o autor integrava à paisagem brasileira o dinamismo cinético e o colorismo estereofônico dos filmes, então de vanguarda, como 2001 – Uma Odisséia no Espaço (de Stanley Kubrick).

No momento, a melhor opção fica com o Museu de Arte Contemporânea, Westphalen, 16, apresentando, desde o dia 12 de setembro uma individual do pintor Aldir Mendes de Souza.

Em 1969 com Arcângelo Ianelli, Maria Stella Tristão, Poty e Velloso participei do júri do 26º Salão Paranaense. Lembro do impacto causado por uma das obras então premiadas, um cafezal azul de Aldir Mendes de Souza, onde o autor integrava à paisagem brasileira o dinamismo cinético e o colorismo estereofônico dos filmes, então de vanguarda, como 2001 – Uma Odisséia no Espaço (de Stanley Kubrick).

Mais tarde, tive a oportunidade de ver no Rio várias pesquisas suas em que utilizava o raio X como veículo, mostrando a mobilidade do esqueleto humano, através da qual criava novas situações. Experiências estas explicáveis para quem como Aldir também é médico. Logo em seguida viria a fase dos objetos em acrílico em que aprofundaria a pesquisa com transparência.

Paralelamente Aldir prosseguiria pintando cafezais, evoluindo gradativamente para um valor plástico intrínseco.
As sensações sutis do arado sobre a terra, as infinitas gramas de cor da natureza o levariam gradativamente a uma linguagem despojada e refinada – isto é – “pintura em si mesma” – que suplantaria a temática levando-o a afirmar: “O fascínio que o panorama do campo exerce sobre o habitante da cidade já é sobejamente conhecido. Mas para o pintor esse cenário pode significar um excelente fornecedor de elementos plásticos, sendo um verdadeiro desafio pictórico tentar executa-lo na tela.

O homem muda a paisagem. As divisões da terra, o arado, o trator, o plantio e o vegetal crescendo vão geometrizando extensas áreas, até a linha do horizonte. As texturas do solo preparado, ou já cultivado, dão uma grama cromática riquíssima, que pode ser explorada plasticamente. Através da síntese de vários elementos, crio novos símbolos, que podem melhor representar a paisagem rural. Quero ter a liberdade de imaginá-la, de várias formas e cores, mesmo chegando a resultados que podem parecer irreais. Antes de tentar representar o aspecto dos campos, estou preocupado em fazer pintura.”

Com o tempo sua escala cromática modifica-se, as tintas planas vibrantes são substituídas por uma dinâmica sutil, obtidas através da cor rarefeita e dos pequenos toques.

Sucedendo uma fase intermediaria onde adotava como temática as multinacionais – e suas fábricas – após 15 anos a paisagem urbana passa agora a substituir a rural. A evolução nessa última fase faz-se de forma muito rápida ; servindo-se de edifícios, também aí, a temática cede lugar as líricas construções despojadas do objeto, “pintura em si, nada mais do que pintura”, o resto é literatura.

Publicado no jornal Gazeta do Povo, Curitiba, 1979
Radha Abramo

> São Paulo, 23/06/1979

As figuras individuais ou em grupos estão ausentes da pintura de Aldir Mendes: ele mostra nas suas telas exclusivamente o resultado do trabalho anônimo, das multidões desconhecidas, que não precisam de caracterização porque significam a sustentação básica da sociedade humana.

Radha Abramo para a Folha de S. Paulo, 23 de junho de 1979

Publicado no jornal Folha de São Paulo – Ilustrada, 23/06/1979
Hugo Auler

> Brasília, 1979

Temos para nós que a fase atual de Aldir Mendes de Souza é de importância e alcance fundamentais, por isso que ela envolve um processo de revisão da paisagem brasileira, desenvolvido, feito por um artista com pleno domínio do metier e maior riqueza de conceptualidade.

Com efeito, em suas paisagens agrícolas há metáforas extraídas da relação campo/cidade, por isso que Aldir Mendes de Souza lhes fornece uma linguagem plástico – pictural que escapa à representação da paisagística tradicional, mais fotográfica e menos conceptual. Para que elas possam falar pelo artista, criador de uma verdade que não é do conhecimento objetivante, o pintor dá-lhes uma arquitetura abstratizante e geometral, sem repudiar o objeto exterior mesmo que pareça negá-lo, a fim de dizer “o que o geógrafo excluiu da paisagem”, para usar a expressão empregada por Mikel Dufrenne.

Temos para nós que a fase atual de Aldir Mendes de Souza é de importância e alcance fundamentais, por isso que ela envolve um processo de revisão da paisagem brasileira, desenvolvido, feito por um artista com pleno domínio do metier e maior riqueza de conceptualidade.

A paisagem dominada pela geometrização e abstratização perdeu muito de representação real e assumiu mais a categoria de ato de criação na prevalência da transposição interior. Agora, na criação pictural de Aldir Mendes de Souza, a espontaneidade do gesto criador é submetido ao cálculo na medida em que desliza para uma arte de crítica social.

A nós parece que a tomada de uma concepção filosófica acerca de nossa economia cafeeira levou Aldir Mendes de Souza a criar formas arquetípicas de paisagens agrícolas que participam do imaginário e do real. A organização dos quadros passou a ser presidida por uma rigorosa repartição e equilíbrio das linhas, de força, o tratamento da matéria, haja vista a escala quase monocromática comandando os valores típicos em relação aos valores formais, estabelece um paralelismo entre o linear e o pictural.

Em conclusão, Aldir Mendes de Souza está realizando uma pintura que nos obriga a equívocas interpretações e nos provoca indagações.

Publicado no jornal Correio Brasiliense, Brasília, 1979
José Henrique Fabre Rolim

> Santos, 25/03/1979

O ato de criar e o sentir percorrem num só instante a própria coordenação dos signos representativos de um código subjetivo, em que o artista se envolve apaixonadamente.

José Henrique Fabre Rolim para o jornal A Tribuna, Santos, 25/03/1979

Publicado no jornal A Tribuna, Santos, 25/03/1979