década de 80

Paulo Mendes de Almeida

> São Paulo, 1980

Certo estou de que em sua nova fase, nova mas coerente, Aldir Mendes de Souza, usará a mesma persistência e a mesma obstinação que o tem acompanhado no exercício do que nele, é uma vocação irresistível. Talento e seriedade não lhe faltam.

O ecletismo, se for uma virtude, não é das que mais aprecio. Por isso mesmo, já louvei a persistência, a obstinação com que Aldir Mendes de Souza se apegou a um tema exclusivo, dele procurando, em linguagem plástica, extrair todas as virtualidades. Refiro-me, como é consabido, ao tema do café, de que o artista reiteradamente tratou em numerosas telas, executadas durante vários anos e que contemplam, em sequência, desde o grão, a ramagem, o arbusto, a plantação intensiva a lavoura propriamente dita até a comercialização, a usinagem, o armazenamento. Aqui o próprio tema o obrigou a passar da paisagem rural, de largas áreas e profundos horizontes, à recriação da arquitetura urbana, numa composição mais confinada, mas de uma geometria mais precisa e estrutural.

Desta última etapa nasce a pintura atual de Aldir, em que ele passa, em transição nada abrupta e por assim dizer natural, de figura à abstração e, principalmente, de uma pintura de fundo, eriçada e pontilhada para uma pintura lisa de superfície. Pintura “à plat”. Pintura plana, de superfície, repito, sem que isto implique considerá-la uma pintura superficial. Pelo contrário, aqui o pintor, liberto do modelo (ainda que imaginário) se esmera no jogo puro das formas em seu lineamento e no emprego desinibido da cor, em sua função eminentemente plástica, com destino certo à emoção própria da vista, num apelo às nossas faculdades puramente sensoriais. E o faz certamente, com um sutil requinte e exação, sem dúvida, louvável.

Certo estou de que em sua nova fase, nova mas coerente, Aldir Mendes de Souza, usará a mesma persistência e a mesma obstinação que o tem acompanhado no exercício do que nele, é uma vocação irresistível. Talento e seriedade não lhe faltam.

Texto publicado originalmente no catálogo da exposição “Aldir Mendes de Souza – Pequena Mostra”, realizada na galeria Projecta.
Jacob Klintowitz

> São Paulo, 1980

Talvez seja uma maneira de abandonar uma possível influência de Volpi, neste aspecto. O conjunto de seus trabalhos, elaborados com simplicidade, cromaticamente definidos e com ênfase maior no jogo de planos geométricos, mostra-se em momento feliz e claramente evolutivo, pois capaz de tornar o que antes era simples assunto em presente tema.

Aldir Mendes percorreu um longo caminho até sua atual abstração geométrica (galeria Projecta, rua Mello Alves nº 541). O seu assunto principal é o café, do qual ele recolheu como detalhe para discutir o grão, a cor, a plantação, a folha e, finalmente, a abstração destes grandes campos de plantação, talvez, juntamente com sua percepção da cidade vertical/horizontal que é São Paulo.

Neste percurso do artista o seu trabalho nem sempre foi considerado de qualidade superior, mas deve ser ressaltada a grande fidelidade do artista consigo mesmo, com seu tema, com o tratamento que utiliza no seu trabalho, com a sua proposta. Aspecto que Paulo Mendes de Almeida, tradicional, respeitabilíssimo e brilhante crítico de arte ressaltava.

O seu trabalho avança para uma composição geométrica, onde existem no espaço grandes planos, comparações cromáticas e o estabelecimento de uma correlação de massas e volumes. A sua maneira de pintar definiu-se pelo simples pincelar, o artista abandonou a textura e o ritmo que pretendia dar ao próprio caminho do pincel.

Talvez seja uma maneira de abandonar uma possível influência de Volpi, neste aspecto. O conjunto de seus trabalhos, elaborados com simplicidade, cromaticamente definidos e com ênfase maior no jogo de planos geométricos, mostra-se em momento feliz e claramente evolutivo, pois capaz de tornar o que antes era simples assunto em presente tema.

Aldir Mendes substituiu o lado que, no seu trabalho, seguidamente assumia um aspecto literário, por uma severidade maior e um cuidado com os valores plásticos mais atento e de melhor solução. É uma exposição que oferece interesse e pode mostrar o artista e seu percurso, justamente no momento de uma grande mudança com bons resultados.

Texto publicado originalmente no catálogo da exposição “Aldir Mendes de Souza – Pequena Mostra”, realizada na galeria Projecta.
Carlos Von Schmidt

> São Paulo, 22/09/1980

Aldir Mendes de Souza é um artista que não se acomoda. Em constante procura, evolui na medida em que se questiona.

Carlos Von Schmidt para a Folha de S. Paulo, 22/09/1980

Publicado no jornal Folha de São Paulo – 22/09/1980
Alberto Beuttenmüller

> São Paulo, 25/05/1981

Quem acompanha o trabalho de Aldir percebe que seu amadurecer foi mais sofrido do que o de seus pares.

Alberto Beuttenmüler para Revista Visão, 25/05/1981

Publicado na Revista Visão, São Paulo, 25/05/1981
Lisetta Levi

> São Paulo, 1981

Sem abandonar seu estilo, Aldir encontrou uma nova dimensão: ampliou espaços, descobriu as diagonais e quebrou todas as limitações.

O desafio cromático

Aldir Mendes de Souza dedica-se há muitos anos à elaboração de um único assunto: os cafezais. Mesmo quando sua pintura passou a ser abstrata, as subdivisões de espaços permaneceram as mesmas que o artista usou nos seus campos.

Na sua fase atual, Aldir deixa as abstrações para voltar às paisagens rurais. Com ele, o que conta não é o tema, mas a perspectiva. Se os cafezais representados por Portinari tinham um sentido social, se José Antonio da Silva capta o tema com a pureza de quem vive no campo, Aldir nunca representa o elemento humano. A paisagem é para ele um desafio cromático, um jogo de horizontais e diagonais. São campos sem homens, isentos de alusões literárias. As grandes áreas representam, através das cores, as diferentes horas do dia.

Sua próxima exposição contará com trabalhos dos últimos três anos deste artista que é autodidata e que, através de uma pesquisa constante, conseguiu chegar a uma obra de grande maturidade. A sensação que se tem é que cada quadro foi pintado de baixo para cima: dos tons mais escuros surgem os mais claros. Passando por pelo menos três camadas de cores, Aldir consegue chegar às transparências que transmitem os misteriosos silêncios dos campos. As cores complementares são sobrepostas de maneira que se cria um leve véu que não tem nada a ver com as cores chapadas das suas abstrações.

As formas geometrizantes dão uma vasta visão, larga e profunda. Os amarelos, ocres, verdes e azuis são fascinantes. Muitos dos campos são divididos em três partes, como os campos de Van Gogh, mas o tratamento é completamente diferente. Não existem pinceladas nervosas, nem passagens naturais de um plano para o outro.
As soluções geométricas são intelectuais, enquanto a cor é expressão de sua vitalidade. O pontilhismo usado pelo artista não tem nada a ver com o de Seurat. A manchas sobrepostas de Aldir são usadas unicamente para que possamos sentir o movimento das plantas ao vento.

Todas essas obras são uma recriação da paisagem. Às vezes há inclusive uma inversão de pesos, e, em lugar do azul do céu, o artista coloca preto na parte superior dos quadros.

Há paisagens violentas e líricas, mas em todas existe um incrível magnetismo. Sem abandonar seu estilo, Aldir encontrou uma nova dimensão: ampliou espaços, descobriu as diagonais e quebrou todas as limitações.
Uma vez George Braque declarou: “Não tente imitar o aspecto: o aspecto é o resultado” . E Aldir, sintetizando a paisagem, escreveu: “As paisagens que invento talvez não existam, mas são mais verdadeiras que a própria realidade.”

Publicado na Revista Vogue, São Paulo, 1981
Olney Krüse

> São Paulo, 1981

Aldir é paulista, tem 40 anos de idade, e recebeu uma infinidade de prêmios entre os anos 68 e 79, em vários lugares do Brasil. Para alguns críticos, ele está no apogeu de sua maturidade como pintor.

O desafio cromático

Paisagens depuradas – Depois que finalmente encontrou um estilo e jeito próprios de pintar, o artista Aldir Mendes de Souza se tornou, com elogios cada vez maiores, um excelente pintor de paisagens. Hoje, na Galeria Paulo Prado ele abre uma individual com suas últimas pinturas, todas elas paisagens de composição contida, quase geometria pura, além do que muito despojadas. O crítico de arte pernambucano, Roberto Pontual, atualmente vivendo em Paris, diz: “Sem trazer qualquer figura humana à cena, Aldir patenteia os traços de sua presença. E deixa, no ar, uma questão de fundo ecológico: onde fica o ponto de equilíbrio entre o homem e o ambiente?”.
Aldir é paulista, tem 40 anos de idade, e recebeu uma infinidade de prêmios entre os anos 68 e 79, em vários lugares do Brasil. Para alguns críticos, ele está no apogeu de sua maturidade como pintor.

Publicado no Jornal da Tarde, São Paulo, 1981
Flávio de Aquino

> Rio de Janeiro, 1981

Aldir gosta de espaços infinitos, da solidão fora das metrópoles, que os homens da cidade só vêem deslizar monotonamente, pela janela de seus carros a 100 por hora.

Há artistas que se interessam particularmente por um tema, do qual extraem todas as possibilidades técnicas e poéticas. Persistem em repetir sua fórmula, mas são capazes de tornar cada obra sua um trabalho independente e pessoal.

Entre muitos, esse é o caso de Aldir Mendes de Souza, paulista, 40 anos, expondo na galeria Paulo Prado, em São Paulo. Os críticos que sobre ele escreveram já há 12 anos definiram suas diretrizes principais: a paisagem rural cultivada, disciplinada ela perspectiva linear e por zonas geometrizadas, cada espaço avivado por pigmentos de vivo colorido.

Há ainda que acrescentar que nas obras de Aldir o homem só está presente pelo trabalho disciplinado de suas mãos, que delas fazem brotar a riqueza da terra, o amor à lavoura. Aldir gosta de espaços infinitos, da solidão fora das metrópoles, que os homens da cidade só vêem deslizar monotonamente, pela janela de seus carros a 100 por hora.

Essa visão momentânea é tornada perene, o artista traz para as paredes de um apartamento, faz o espectador meditar, sentir o colorido da natureza, o silêncio dos campos. O trabalho invisível do dia-a-dia. E refresca-se nessa contemplação.

Publicado na Revista Manchete, Rio de Janeiro, 1981
Mark Berkovitz

> São Paulo, 1982

Dentro do contexto da arte brasileira, a obra de Aldir Mendes de Souza, na minha opinião, é a que mais se aproxima daquilo que tentamos chamar de arte brasileira – algo misterioso que ainda não foi definido.

Aldir Muitos anos depois…

É fascinante para um crítico de arte poder assistir e seguir a evolução de uma carreira de pintor. Sobretudo quando esta evolução é uma ascensão. Nos anos sessenta, participando de juris de várias Bienais de São Paulo, estabeleci o primeiro contato com o trabalho de Aldir Mendes de Souza. Não sei se contato é a palavra certa. Talvez tenha sido mais um esbarrão. Ele parecia estar em todas as partes, com telas, objetos, filmes – o diabo… Sempre presente, ativo, curioso, persistente, dedicado, quase agressivo. Querendo mostrar, participar, movimentar – mas também ver e absorver.

De lá para cá foi um longo caminho. Aprendizado, lenta maturação, domínio da técnica, sedimentação, aprofundamento. Sem jamais renegar a sua inquietude, sua curiosidade, sem abandonar as suas excursões – ou talvez incursões – em outras opções, outras tendências. A geometria na obra de Aldir Mendes de Souza é uma decorrência natural e espontânea de sua temática, pois não creio que tenha sido muito bem sucedido quando fez experiências com a geometria “per se”, cerebral e premeditada.

A paisagem rural, com as suas linhas horizontais, as suas fugas ao infinito, seus horizontes distantes. A paisagem urbana, com seu crescimento vertical, as arestas duras dos espigões, os olhares cegos de milhares de janelas. Dentro do contexto da arte brasileira, a obra de Aldir Mendes de Souza, na minha opinião, é a que mais se aproxima daquilo que tentamos chamar de arte brasileira – algo misterioso que ainda não foi definido. Claro que não é pintando mulatas e palmeiras que se faz arte brasileira – como certamente não se faz arte brasileira, seguindo as últimas tendências – até chegarem aqui já são penúltimas, da arte internacional. Acredito que Aldir Mendes de Souza tenha escolhido o caminho certo. Acredito que sabe que o importante para um artista é escolher um caminho para ele trilhar, uma linguagem para ele falar. E, sendo uma linguagem própria, original, ele jamais falará sozinho.

Em suas paisagens, sobretudo as rurais, Aldir mendes de Souza soube criar um clima. Um clima sereno, tranquilo, que transmite a mensagem da paisagem tocada pela mão do homem. Mas tocada para produzir e não para destruir. Quando vemos a paisagem rural enquadrada pelos monstros verticais de cimento de aço, sentimos o contraste entre a paz que emana da paisagem, o constrangimento e a aflição de uma prisão de concreto.

Não sei se é intenção de Aldir Mendes de Souza transmitir uma mensagem ecológica. Mas ela está aí em sua obra. Quando me aproximo da obra de um artista, não procuro o virtuosismo técnico, o domínio da cor e da composição. Isto e o mínimo que se deve exigir de um artista que se apresenta ao público. O que procuro, o que exijo, são os valores que vão além de tudo isto. Dizer que um Cézanne, um Matisse, um Picasso, sabe desenhar ou usar a cor seria cometer o crime do “óbvio ululantea’. Eles são grandes porque foram além, muito além. E Aldir Mendes de Souza está indo. A meta do artista ambicioso e dedicado é encontrar este “além”.

Depoimento para o livro “Aldir – Geometria da Cor”, São Paulo, 1982
Theon Spanudis

> São Paulo, 1982

Aldir é um dos pintores mais sérios e tenazes da nova geração. Lembro-me ter visto há uns dezoito anos, relevos de mapas urbanísticos, vivamente coloridos, que lembravam a arte bruta de Dubuffet.

Aldir é um dos pintores mais sérios e tenazes da nova geração. Lembro-me ter visto há uns dezoito anos, relevos de mapas urbanísticos, vivamente coloridos, que lembravam a arte bruta de Dubuffet. Desde então ele ficou obcecado pelo assunto da grande cidade, das fábricas, dos prédios e do campo industrializado, com suas divisões claramente marcadas pelo tipo de plantação. Cafezais e arranha-céus, todo o fervor da época industrial que vivenciamos no Brasil, tornaram-se os seus assuntos prediletos.

A horizontalidade dos campos cultivados e a verticalidade das metrópoles são os limites e as fronteiras de seu mundo pictórico, do seu mapa mundi. Ora interessado mais pelos campos, ora mais pelos assuntos urbanísticos, ultimamente ele une esses dois elementos nas suas composições que se aproximam de uma abstração geometrizante, mas não se tornam puro construtivismo pela insistência do assunto captado e elaborado em suas telas. Seria melhor falar de um estruturalismo suave que dá o esqueleto da composição.

Aquilo que mais nos surpreendeu em sua última produção, é o constante entre uma composição complexa, às vezes de severidade geométrica, e o sutil colorido que suaviza e torna delicado e lírico todo o quadro. Um poeta das tonalidades delicadas e que nos lembra a suavidade dos coloridos das xilogravuras japonesas.
Assim, ele obtém de algo grave e estereométrico uma atmosfera poética. Esta é a sua melhor qualidade, suavizar e poetizar realidades urbanas, rurais e industriais.

Depoimento para o livro “Aldir – Geometria da Cor”, São Paulo, 1982
Radhá Abramo

> São Paulo, 27/11/1983

Alberto Beuttenmüller e Aldir Mendes de Souza fizeram um livro polêmico, idealizado anteriormente por Edla Van Steen: reuniram críticos que responderam a um questionário indicando seus artistas preferidos. Posteriormente os retratos de artistas e críticos foram pintados por Aldir Mendes de Souza.

Radha Abramo para Folha de S. Paulo, 17/10/1985

Publicado no jornal Folha de São Paulo, 27/11/1983
Radha Abramo

> São Paulo, 22/05/1984

REVER TRECHO PARA DESTAQUE. O QUE VEIO ERA IDÊNTICO AO DE CIMA

Radha Abramo para Folha de S. Paulo, 22/05/1984

Publicado no jornal Folha de São Paulo, 22/05/1984
O Estado de São Paulo

> São Paulo, 17/10/1985

Tudo parece confluir para um momento muito favorável. O artista conta que acaba de chegar da Espanha, onde inaugurou em Madrid… a mesma mostra que já esteve em Paris, em Lisboa e Roma.

O Estado de S. Paulo, 17 de outubro de 1985

Jacob Klintowitz

> São Paulo, 09/11/1985

Aldir sem disfarces, lírico, fiel. Sua pintura explora as possibilidades geométricas da paisagem rural. Com bons resultados.

Jacob Klintowitz para O Estado de S. Paulo, 09/11/1985

Publicado no jornal O Estado de São Paulo, 09/11/1985
Frederico Morais

> Rio de Janeiro, 03/07/1986

… se alguma coisa não falta à pintura de Aldir é sua coerência interna. Técnica e formalmente, ele encontra em sua própria pintura as motivações para o seu progresso atual.

Frederico Morais para o jornal O Globo, 03/07/1986

Publicado no jornal O Globo, 03/07/1986
Olívio Tavares de Araújo

> Rio de Janeiro, 1986

Persistente em todos os sentidos, obcecado, mesmo, Aldir evoluiu de forma a meu ver deliberada e consciente – mas ainda assim também predominantemente intuitiva – de uma pintura temática para uma pintura exclusivamente pictórica.

Valores permanentes e estáveis

Há alguns anos, estudei uma determinada construção de Volpi – a que costumam chamar de ogiva – , com sua estrutura quase imutável em suas diversas permutações cromáticas. Desde então, tenho minha atenção despertada para a existência, no Brasil, de um tipo de construtivismo que, continuando basicamente intuitivo – e pertencendo portanto ao que já se rotulou como “geometria sensível” -, desenvolve ao mesmo tempo um programa claro, nítido, circunscrito por alguns lados e infinito por outros.. O próprio Volpi, naturalmente, é o melhor e mais completo exemplo desse tipo de Albers tropical, que, sem chegar à demonstração de tese, como o mestre alemão, é como ele igualmente coerente e consistente em todo seu percurso.

Essas idéias me ocorrem por causa da linha de trabalho de Aldir Mendes de Souza de há alguns anos para cá. Persistente em todos os sentidos, obcecado, mesmo, Aldir evoluiu de forma a meu ver deliberada e consciente – mas ainda assim também predominantemente intuitiva – de uma pintura temática para uma pintura exclusivamente pictórica. Isto é: concentrou-se em resolver problemas formais que ele, mesmo propõe, problemas de pintura, de cor e textura em especial, tudo isso sob o pretexto (para os leigos) de estar pintando “cafezais”. É verdade que ele saiu daí, de paisagens idealizadas de certas regiões do Estado de São Paulo. Mas não há dúvida de que a leitura mais correta para a sua obra, hoje, é a leitura abstrata, a de simples quadrados de cor que se justapõe, num mosaico translúcido e festivo.

Durante uns três anos, a estruturação desse espaço pictórico se fez com linhas retas – é a fase que Aldir expôs em 1985, na Galeria Bonfiglioli. Ultimamente, as retas se substituíram por curvas, a estrutura ganhou em organicidade, tornou-se mais macia, até mais sensual – se se permite essa palavra diante de um trabalho tão obviamente mental.

Mas, no fundo, o projeto ou proposta de Aldir continua o mesmo. Como Volpi (que, com toda razão, ele admira acima de todos), Aldir quer-nos apresentar pintura pura, como uma bela frase de Braque: “Nosso objetivo não consiste em fornecer um fato anedótico – e sim em oferecer um fato pictórico”.Sua proposta é também feita de permutações cromáticas, em texturas caprichosas, com um inegável olho de colorista, dentro das mesmas composições básicas que ele inventou. A diferença fundamental é que, no caso de Aldir, também as composições – a partir de uma idéia inicial de organização espacial – são infinitas, nem mesmo formalmente qualquer quadro seu pode repetir o anterior.

Mas o conjunto é unitário e homogêneo, e por trás de tudo existe uma inteligência ordenadora que necessita de valores permanentes e estáveis.

Texto publicado no catálogo da exposição conjunta da Galeria Bonino e no Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, 1986.
Enock Sacramento

> São Paulo 1986

Estes trabalhos tem a força dos realizados em 1985 e consolidam o nome de Aldir Mendes de Souza como uma das expressões vigorosas da pintura brasileira atual de tendência geométrica sensível.

Perspectivas de Aldir

“Pinto por necessidade de expressão, movido por um impulso vital de me comunicar com os outros”. A afirmação é de Aldir Mendes de Souza e foi-nos feita quando o inquirimos sobre as razões que o levam a pintar. Esta vontade de se relacionar mais amplamente com seus semelhantes levou-o ao desenvolvimento de uma linguagem plástica que hoje o caracteriza e o distingue no panorama da arte atual brasileira.

O processo de construção desta linguagem ganha contornos mais definidos quando ele elege o cafeeiro como símbolo da natureza e o representa por uma figura circular de contornos sinuosos. Do cafeeiro surge o cafezal, formado pela disposição regular do arbusto em fileiras que se estendem e serpenteiam em linha até onde a vista alcança. A seriação da figura leva-o à perspectiva e sua síntese formal à geometrização.

As cores variam indicando a preparação do solo para o plantio, o crescimento do arbusto, a floração, a colheita, os efeitos da geada. Neste estágio, o café quase sempre aparece em primeiro plano sob forma de esferas coloridas que ocupam importantes áreas da tela. O uso do primeiro plano destacado induz, de imediato, à noção dos grandes espaços.

Em muitos trabalhos os cafezais são recriados em três planos: um primeiro detalhado, constituído por faixas oblíquas de cores mais pronunciadas e textura eriçada; um segundo formado por faixas dispostas em sentidos diversos, mais sintéticas no que diz respeito à forma e de tonalidades mais suaves; e uma terceira, constituída pelas montanhas, estabelecendo uma linha alta de horizonte. Nestes trabalhos Aldir cria a perspectiva também com a cor. A geometrização torna-se cada vez mais evidente e o artista alterna a reta com a curva, as áreas de cores chapadas com superfícies crispadas, resultantes do uso de uma pincelada em ziguezague e de cores superpostas. As cores tornam-se aleatórias, servindo mais a seus objetivos plásticos do que à representação realista dos cafezais.

Aldir começa também a dividir livremente seus campos. Surgem diversas perspectivas num mesmo trabalho, como se a sua paisagem fosse observada simultaneamente de diferentes pontos. Geraldo Ferraz observa, em 1978, que ele, “ordenando o cenário da lavoura, produziu o que hoje pode ser denominado de uma reformulação da perspectiva…Aldir nos propõe recompor a perspectiva, mas não a da Renascença, senão uma ordenação caracteristicamente sua, imposta pelo desenho à geometrização simbólica do panorama.” E conclui afirmando que “com isso consegue resultados eficientíssimos: desdobra a perspectiva aérea, que o renascentista não conhecia, e comanda a distensão dos cafezais pelas montanhas invisíveis ao olho humano na sua escala”.

Na década de 70, Aldir desenvolve obra extensa, referenciada no campo e na cidade. No início, surgem casas de lavradores em meio aos cafezais. Depois aparecem estradas, fábricas, edifícios. É a cidade invadindo o campo, competindo com ele. Os edifícios ocupam grandes áreas da tela, em sua verticalidade dominadora, e os viadutos e estradas a atravessam obliquamente. Em algumas obras o artista estabelece uma perspectiva circular, como se sua paisagem fosse vista através de uma lente grande angular. Na convergência de semi-círculos em expansão surge, não raro, o perfil de uma indústria, de cuja chaminé escapam grossos rolos de fumaça.

No fim so anos 70, Aldir sente-se atraído pela abstração. Declara textualmente: “Depois da grande lição cromática dos pintores abstratos, nós os figurativos precisamos começar tudo de novo. Mas sem preocupações fotográficas, na forma e na cor”. Em 1980 abandona temporariamente a temática dos Campos e das Cidades e desenvolve uma série de pinturas abstratas geométricas a partir da figura do retângulo. As texturas eriçadas desaparecem, dando lugar a uma pintura lisa. Aldir trabalha durante alguns meses com relações formais e colorísticas e com expansões de retângulos. Mas logo as abandona para voltar a seu repertório anterior de imagens.

Quando isto acontece, o artista realiza pinturas em que a geometrização assume acentuado rigor formal. O artista inicia o período mais consistente de seu trabalho, beneficiando-se de um maior domínio técnico e de uma sensibilidade colorística mais apurada. O retângulo torna-se o símboloicônico de sua linguagem plástica, representando para ele áreas cultivadas, janelas, edifícios, viadutos. Os trabalhos realizados em 1981/1982 – Séries “Geometria da Terra”, “Campos” e “Cidade X Campo”- revelam um geometrismo dinâmico, criativo e vigoroso e uma nova cor, resultante do cruzamento de complementares.

Em 1983, Aldir desenvolve uma série de retratos de artistas e críticos, nos quais começa um processo de releitura de toda sua obra anterior, colocando no plano de fundo, atrás da figura, uma de suas paisagens. A linha curva, que havia desaparecido de seu trabalho, volta a ser utilizada.

Objetivando a formação de um conjunto de trabalhos a ser exposto na Europa, Aldir resolve ampliar este processo de releitura e produz as obras reunidas nesta exposição, às quais junta trabalhos de fase metropolitana de 1982. As pinturas resultantes desta releitura recolocam os motivos anteriores do artista, que os recria com maior experiência e amadurecimento. Estas obras são realizadas no fim de 1983 e no começo de 1984.

Em seguida, Aldir pinta uma magnífica série intitulada “Geo-Metria”, que é uma síntese de sua pintura abstrata de 1980 e dos trabalhos anteriores inspirados na geometria da terra. O que caracteriza estes óleos – dos quais esta mostra inclui dois como referência do desenvolvimento do artista – é o rigor geométrico, a utilização exaustiva de retângulos entrosados e desdobrados e a eliminação da linha do horizonte. A matéria colorística é riquíssima, as perspectivas são horizontais ou oblíquas. Aldir alcança com esta série sua maturidade e conquista um lugar definitivo na pintura contemporânea brasileira. As formas nascem umas das outras, como acontece na pintura de Volpi. Por caminhos diferentes, Volpi e Aldir chegam à pintura permutacional, combinando pictoricamente signos diferentes. Volpi usa preferencialmente o quadrado, do qual retira um triângulo, formando o contorno de uma bandeirinha, que ele vê como figura geométrica pura. Aldir usa o retângulo em perspectiva, que ele não vê como forma geométrica desligada de um significado, mas como signos de campos cultivados.

Neste ponto a postura de Aldir aproxima-se da assumida pelo índio, que geometriza a figura da cobra, da borboleta, do favo de mel, da espinha de peixe, continuando a ver em suas abstrações e sínteses formais as figuras que serviram como de referência para sua realização. Embora seja comum fazer-se de seus últimos trabalhos uma leitura de geometria sensível, Aldir continua vendo seus retângulos como campos cultivados. E explica: “No fundo sou um pintor de paisagens. Meus quadros não podem ser vistos de cabeça para baixo, nem virados de lado. Eles tem uma direção, um sentido, uma horizontalidade, uma perspectiva”.

Mais recentemente, talvez pelo período de releitura – 83/84 – , começaram a aparecer linhas curvas em seus últimos trabalhos de 1986. Estes trabalhos tem a força dos realizados em 1985 e consolidam o nome de Aldir Mendes de Souza como uma das expressões vigorosas da pintura brasileira atual de tendência geométrica sensível.

Texto publicado no catálogo da exposição “Aldir/Perspectivas”, na Dan Galeria, São Paulo 1986.
Enock Sacramento

> São Paulo, 19/09/1986

Estes trabalhos tem a força dos realizados em 1985 e consolidam o nome de Aldir Mendes de Souza como uma das expressões vigorosas da pintura brasileira atual de tendência geométrica sensível.

Enock Sacramento para o Caderno 2, O Estado de S. Paulo, 18 de setembro de 1986

Publicado no Caderno 2 do jornal O Estado de S. Paulo, São Paulo, 18 de setembro de 1986.
Olívio Tavares de Araújo

> São Paulo, 1988

O pintor Aldir Mendes de Souza é, com toda certeza, uma das pessoas mais inquietas, “aprontadoras” e obsessivas do planeta.

Olívio Tavares de Araújo para a Revista Vogue, 1988

Publicado na Revista Vogue nº 157, São Paulo, 1988.
Jornal da Tarde

> São Paulo, 16/08/1989

A mostra engloba Volpi, Ianelli e Aldir, uma tríade de pintura paulista que se utilizou da geometria para suporte de seus intensos coloridos.

Jornal da Tarde, 16 de agosto de 1989